Na semana de manifestação dos povos originários, indígenas de várias comunidades de Aracruz, liderados por Vilmar Benedito de Oliveira, estiveram em Vitória, na manhã desta segunda-feira (18 de abril), para entregar um Manifesto ao governador Renato Casagrande. A comissão indígena foi recebida pela secretária de Direitos Humanos, Nara Borgo.
Os indígenas ocuparam a escadaria na frente do Palácio Anchieta
No documento, assinado pelo cacique Valmir, da aldeia Caieiras Velha, e outras lideranças, além de frisar o momento de reafirmar sua existência no Estado e pontuar sua luta por sobrevivência e resistência, há também um apelo às autoridades capixabas para que atuem positivamente na questão das indenizações da Fundação Renova, referente ao rompimento da barragem de Mariana, em novembro de 2015.
Ainda de acordo com o documento, a instituição tem atuado fora dos padrões estabelecidos pelo Termo de Ajustamento de Conduta e denuncia que a Fundação Renova estaria atuando junto à famílias e comunidades, impactando internamente, gerando conflitos internamente.
O Rio Piraquê-açu foi lembrado pelos indígenas durante a manifestação
“Ainda recentemente, no dia 08 de abril de 2022, o cacique se reuniu juntamente com a comunidade, onde a mesma se manifestou de forma incisiva, que a Fundação Renova tem causado um grande impacto interno nunca visto antes no território indígena, gerando conflitos entre as famílias, entre as comunidades e entre os caciques”, diz um trecho do Manifesto.
Tambores e casacas foram ouvidos durante a manifestação em Vitória
Mais adiante no documento, as lideranças afirmam que não estão dispostas a sentar à mesa de negociação com a Fundação Renova.
“Foi feito registro em que a comunidade de forma unânime se manifesta favorável à retirada da Fundação Renova das discussões, aprovando que seja adotando medidas que o diálogo aconteça diretamente com as empresas (Vale, Samarco e BHP) responsáveis pelo maior desastre ambiental já ocorrido em nosso país”, sugere outro trecho do documento.
A manifestação indígena aconteceu no final da manhã desta segunda-feira (18 de abril), na avenida Jerônimo Monteiro, no centro da Capital, Vitória.
SEGUE ÍNTEGRA DO DOCUMENTO ENDEREÇADO AO GOVERNADOR CASAGRANDE
Caieiras Velha, 18 de abril de 2022.
Ao:
GOVERNADOR DE ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Ao cumprimentá-lo cordialmente.
Viemos por meio deste ATO reafirmar nossa existência neste estado chamado Espírito Santo, terra tão rica por suas diversidades culturais, reiteramos o orgulho de sermos legítimos remanescentes desta terra, este ano somamos 522 anos de luta e resistência para continuar existindo, lutamos para não sermos extintos, como um dia foi narrado na história ao dedicar o dia 19 de abril com o “dia do índio”, nosso grito está vivo e ecoa forte através da semente que foi plantada por nossos antepassados que um dia lutaram nessa terra, embora o corpo não esteja presente, o espírito guerreiro está vivo dentro de cada um de nós indígena deste chão.
Chamamos a atenção das autoridades executiva e legislativa e destacamos a necessidade de maior atenção nas especificidades dos indígenas, referente ao Desenvolvimento Social em nosso território, considerando a nossa legitimidade dentro desse território, lutamos em defesa de nossa identidade e modo de vida para que nossa cultura se mantenha viva, reconhecemos que toda cultura viva é passiva de mudanças, no entanto se faz necessário que essas mudanças sejam positivas nas relações entre os indivíduos, grupos e instituições dentro de uma sociedade, nosso povo, com intuito de assegurar o bem-estar social, publicamos neste ato que precisamos construir hoje e agora, se assim pretendemos um futuro de melhora na qualidade de vida de uma sociedade na qual fazemos parte dela. Reconhecemos que uma comunidade terá alta qualidade de vida quando seus habitantes podem garantir um cenário de paz, liberdade, justiça, democracia, tolerância, equidade, igualdade e solidariedade, estes são pontos na qual reconhecemos como fundamento para garantir, amplas e recorrentes possibilidades de satisfação de nossas necessidades e também de poder empregar nossas potencialidades e saberes, com vistas a conseguir uma melhoria futura em nosso modo de vida em termos de realização pessoal e da sociedade em seu conjunto. É fato que precisamos de um território digno, em que se possamos viver com nosso povo e assegurar condições de proteção e segurança para nossas famílias e futuras gerações, resguardando-a dos riscos de uma vida vulnerável, como também a possibilidade de educar-se e educar nosso filhos para que o dia de amanhã possa ser gozado de melhores oportunidades, como contar com uma estrutura de saúde dign a que possa ajudar a resolver nossos problemas e uma educação de melhor qualidade. Sendo estes alguns dos fatores primordiais na qual já temos garantidos em nossa constituição, vê-se que para conseguir o desenvolvimento de uma comunidade, na maioria dos países do mundo existe uma carteira, secretaria ou ministério, conforme o caso, encarregada especialmente desta questão, ou seja, de desenvolver políticas e facilitar aos que têm tantas limitações em recursos e acessos, viabilizando e dispondo mecanismos para uma conquista ou avanço em algum tipo de desenvolvimento. Aproveitamos o ensejo para dar ciência aos órgãos e instituições competentes, que já algum tempo temos sofrido violação de nossos direitos, como povo tradicional cujo as comunidades indígenas são reconhecidas com base na constituição federal, exigimos o mínimo de respeito com as leis que asseguram o pouco que ainda nos resta, ratificamos que a nossa dignidade, caráter e moral do nosso povo não está em mesa para ser negociado.
Segue alusão frente ao cenário atual.
Conforme foi DECIDIDO e lavrado em ATA através de assembleia comunitária, no dia 09 de janeiro de 2022, desta tomada de decisão, abre-se um caminho para se fazer justiça, em exclusivo sobre as questões discutidas sobre o acordo junto a Fundação Renova, fica estabelecido que a Aldeia indígena de Caeiras Velha irá tratar das questões referente a REPARAÇÃO DOS DANOS causado pelo rompimento da barragem em Mariana (indenização, retomada econômica e PBAI, outros) em um formato específico, que garanta a inclusão daqueles que foram excluídos do processo de reparação seja em quais aspecto for, tendo em vista que muitos se enquadram nos termos exigidos, assim como garantir, que cada família indígena bem como cada indígena impactado tenha liberdade para tomada de decisões endo consultado livremente na defesa de seus direitos. Face ao exposto, exigimos que Fundação Renova junto com as empresas que a contrataram para executar o plano de reparação (VALE, SAMARCO E BHP) respeite as decisões dos impactados, reforçamos que os processos sobre as reparações dos danos causados pelo rompimento da barragem, só tenha continuidade com a participação da comunidade atingida, e que seja construído junto ao impactado. Considerando que a fundação renova descartou o estudo de componente indígena (ECI), estudos que comprovam os danos causados e dá origem a matriz de danos dos indígenas de Aracruz, fica claro a parcialidade da fundação renova, diante do que vivemos ao longo dos últimos anos, assistindo à fundação impor sobre nossas lideranças e sobre nosso povo por tantas vezes, sempre ameaçando cortar direitos já garantidos no TTAC governança, fazendo os caciques dialogarem de joelhos diante da mesma.
Relatamos ainda sobre a tomada de decisão pela aldeia de Caieiras Velha, na qual corresponde a pelo menos 45% do total das 1.350 famílias consideradas pela fundação renova nos termos de indenizações, trazemos ao conhecimento público que famílias impactadas em todo território indiígena se mostram insatisfeitas e não concordam com como se prosseguem as tratativas e a maneira como foi e continua sendo construído os planos de reparação, se faz necessário que, a Fundação Renova interrompa as discussões que envolvam essas famílias, uma vez que persiste as reuniões regulares entre a fundação renova junto a comissão de caciques, que por sua vez tem suas limitações técnicas e jurídicas para assegurar de forma mais ampla os direitos já reconhecidos, temos o entendimento que seja criado uma comissão dos próprios indígenas atingidos para fazer frente às discussões de maneira que garanta a igualdade e equidade tendo base as especificidades do nosso modo de vida, enfatizamos que a fundação renova não pode continuar violando e interferindo na autonomia das decisões tomadas pelas comunidades indígenas atingidas, não aceitamos o descaso na qual temos sido tratados em questões que envolvam decisões que cabem ser discutidas diretamente com a comunidade, é obrigação da fundação renova respeitar o que já foi dado ciência a alguns órgãos federais através de seus representantes legais instituídos como CACIQUE, Lideranças, Associações e instituições.
Também é importante CONSIDERAR nesta carta, que a comuniade indígena de Caieiras Velha, somando a várias famílias das outras comunidades da TI Tupinikim e TI Caieiras Velha II realizaram , uma MANIFESTAÇÃO PÚBLICA no dia 28 de março de 2022, em frente a VALE, após a ação, houve uma possível tentativa de diálogo, por parte da fundação renova, porém, a Fundação recusou o formato e as condicionantes estabelecidas pela comunidade indígena, inviabilizando assim o acontecimento da mesma. Ainda recentemente, no dia 08 de abril de 2022, o CACIQUE se reuniu juntamente com a comunidade, onde a mesma se manifestou de forma incisiva, que Fundação Renova tem causado um grande IMPACTO interno nunca visto antes no território indígena, gerando conflitos entre as famílias, entre as comunidades e entre os caciques, na ocasião, foi feito o registro em que a comunidade de forma unânime se manifesta favorável a retirada da Fundação Renova das discussões, aprovando que seja adotando medidas que o diálogo aconteça diretamente com as empresas (VALE, SAMARCO e BHP) responsáveis pelo maior desastre ambiental já ocorrido em nosso país.
Considerando ainda a insatisfação de algumas comunidades indígenas e suas respectivas famílias impactadas frente ao processo indenizatório conduzido pela Fundação Renova, Comissão de Cacique e seus advogados, estas entendendo a falta de clareza para com as tratativas no processo, bem como de seus direitos, neste ato reafirmamos o que em assembleia comunitária como em manifestação pública, foi decidido pela REVISÃO do acordo, de forma que ampare todos que foram excluídos do processo, ainda é de extrema importância ressaltamos que, nos meses de janeiro e fevereiro de 2022 houve uma consulta livre através de um formulário, em que o resultado apresentado pelo relatório geral, revela que a comunidade não foi participativa no processo, violando assim o direito de Consulta livre, prévia e informada, conforme está garantido no TTAC gov., bem como pela Convenção 169 da OIT. Ainda, após tomar conhecimento das Sentenças de outras regiões, bem como a própria Sentença de Aracruz, a comunidade se viu LESADA e ENGANADA frente aos seus direitos, pois as conduções dos processos não consideram os sujeitos de direitos, mais sim apenas o núcleo familiar, o que fere o princípio da isonomia, equidade e igualdade que tanto trata os documentos da Fundação Renova. O fato é que os nossos direitos estão sendo violados e negados, e isso é de conhecimento da Fundação e alguns órgãos intervenientes no acordo, ao concluirmos publicamos que, até a nossa Matriz de danos foi mudada sem o nosso consentimento, e isso não pode continuar assim. Por fim fica registrado a nossa força e luta em defesa de nossos direitos, e através de ATO nosso sentimento de fé e esperança por justiça.
Atenciosamente:
Cacique e lideranças:
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Vilmar Benedito de Oliveira
(Cacique)